Crítica ao modo de vida estadunidense

    


    Numa manhã chuvosa em Nova York, Sal Paradise (Jack Kerouac) se encontra desolado no funeral de seu pai. É ali que se inicia sua viagem pelo Oeste dos EUA no ano de 1947, logo após o fim da Segunda Guerra. Sentado na escrivaninha do seu quarto enquanto traga seu cigarro, recolhe algumas folhas em branco para seguir rumo e escrever suas experiências, no que viria a ser o seu diário de bordo. Se despede de sua tia com um beijo na testa, coloca sua mochila nas costas e sai vagando pela cidade à procura de sua primeira carona com destino à Denver, para encontrar com seus amigos Dean Moriarty (Neal Cassady) e Carlo Marx (Allen Ginsberg) que haviam partido dias antes e o esperavam para viver os dias intensamente sem maiores preocupações, a não ser viver as noites jazzistas regadas à benzedrina.

    A narrativa do romance se constrói em forma de prosa espontânea, como era a característica do movimento: poesia sem métrica, texto em fluxo de consciência sem atender às regras gramaticais de forma exaustiva, numa crítica ao formalismo. Esses textos descreviam as experiências cotidianas desses sujeitos e expressavam as angústias e anseios de uma sociedade que havia passado por duas guerras. Esse primeiro momento do movimento, foi repleto pelo desejo de viver intensamente, buscando momentos extremos de “loucura”, percorrendo cidade por cidade para viver suas noites gloriosas. Como o próprio Sal disse:

Mas, nessa época, eles dançavam pelas ruas como piões frenéticos, e eu me arrastava na mesma direção como tenho feito toda a minha vida, sempre rastejando atrás de pessoas que me interessam, porque, para mim, pessoas mesmo são os loucos, os que estão loucos para viver, loucos para falar, loucos para serem salvos, que querem tudo ao mesmo tempo, aqueles que nunca bocejam e jamais dizem coisas comuns, mas queimam, queimam, queimam como fabulosos fogos de artifício, explodindo como constelações em cujo centro fervilhante...(p.11)

    Dean que, segundo Sal, “era um delinquente juvenil envolto em mistério”, um sujeito que vivia em condições precárias, tentando sobreviver a qualquer custo, fazendo bico em estacionamentos, bares, restaurantes. Sal Paradise era constituinte de uma pequena classe média, ligado à literatura. Carlo Marx, bom, este era um poeta que estava sempre inspirado, esperando o seu grande poema que prometeu aos seus amigos quando fizesse 23 anos. O uivo talvez seja o poema mais conhecido da geração. Na trama, ainda temos a presença de Bull Lee (William Burroughs), considerado o pai da geração Beat. Segundo ele, Kerouac escreveu partes do romance no banheiro de sua casa enquanto defecava.  

    Depois de viver dias intensos em Denver com sexo, drogas, jazz e umas pitadas de literatura, Sal seguiria viagem para São Francisco e Los Angeles, pegando caronas em caminhões, descolando uns trocados nas colheitas de algodão e escrevendo em pedaços de papéis as suas experiências. Volta para sua casa em NY, e viaja para Virgínia com sua tia, à casa de seu irmão. Numa noite enquanto seus parentes conversavam sobre bebês e casas novas, ele avista um Hudson 49 todo enlameado em frente à sua casa:

___ “Um sujeito moço, fatigado e musculoso, metido numa camiseta esfarrapada, com a barba por fazer e os olhos vermelhos, chegou até a varanda e tocou a campainha”.

Era o Dean, acompanhado por Marylou e Ed Dunkel.

___ “Precisamos de um banho nesse exato momento, estamos no bagaço”. Disse ele.

Depois partiram para NY de carro com Dean. Ficam um tempo curtindo por lá, amontoados no apartamento de Sal, sempre reflexivo e inquieto.

___ “Eu não sabia o que estava acontecendo comigo, de repente percebi que era o chá que estávamos fumando; Dean tinha comprado um pouco em Nova York. Era levado a pensar que tudo estava prestes a acontecer — aquele momento em que você sabe tudo, e tudo fica decidido para a eternidade”.

Ao encontrar Carlo, apenas ouviram seus sermões:

___ “Não estou tentando roubar o doce da boca de vocês, crianças, mas parece-me que já é hora de decidir quem são, o que farão da vida. — Carlo estava trabalhando como datilografo num escritório. — Quero saber o que significa essa vagabundagem dentro de casa, o dia inteiro. O que significa toda essa conversa fiada, e o que vocês pensam fazer da vida. Dean, por que abandonou Camille e está transando com Marylou?”.

Na sua segunda viagem em 1948, continuam a desbravar os EUA e vão até o Mexico...

Assim foi escrito e retratado o cotidiano da primeira geração Beat, repleta de um sonho aventureiro, que constituía uma contracultura que depois, viria a influenciar os movimentos hippies. 

Em um segundo momento, no decorrer da década de 1950, o movimento expressou uma crítica à aquela sociedade militarista e criminalizavam o imperialismo estadunidense, sobretudo após os bombardeamentos das cidades Japonesas de Hiroshima e Nagasaki em 1945. O american way of life foi fortemente criticado pelo poeta Allen Ginsberg, cuspindo poemas ácidos à tal prosperidade econômica e ao conformismo dos anos 50. O modelo de vida vendido pela indústria cultural estadunidense, projetava o padrão branco e de classe média, vivendo suas vidas felizes marcada pelo consumismo. Em On the Road a frase “temos que baixar o custo da vida” era o lema que prescindia os furtos que faziam nas lojas de estradas durante a viagem. Allen se tornou um intelectual da cultura pop, tendo influenciado diversos artistas como Jim Morrison e Bob Dylan e também participado de vários projetos com ícones do rock, como Paul McCartney que recitou o poema Uivo junto ao autor. 


“Eu vi os expoentes da minha geração destruídos pela loucura,

morrendo de fome, histéricos, nus, arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada em busca de uma dose violenta de qualquer coisa (...)

pobres, esfarrapados e olheiras fundas, viajaram fumando sentados na sobrenatural escuridão...

 dos miseráveis apartamentos sem água quente, flutuando sobre os tetos das cidades contemplando jazz (...)”

 

O texto literário constitui uma fonte ao historiador e historiadora, quando tomado pelo método historiográfico, feito as devidas contextualizações, problematizações, nos fornece aspectos das experiências de outros em outros tempos, bem como sensibilidades, pois o texto literário (assim como outras formas de textos) carregam as marcas de historicidade de seu tempo. Nesse sentido, On the Road nos ajuda a pensar os problemas, as questões, e a perspectiva desses sujeitos, configurando um movimento contracultural que desafiava o modelo de vida vendido a uma elite