BREVE CONTEXTO
Os rumores sobre terras desconhecidas a oeste despertou o interesse das coroas Lusitanas e Castelhanas (nações com um poder monárquico consolidado, territórios unificados, com experiência na exploração oceânica, realizada durante as Grandes Navegações ao longo do século XV). Assim, os respectivos reinados mobilizaram-se no financiamento de expedições para além de seus domínios.
Através do aporte espanhol, Cristóvão Colombo, chegou à América em 1492. A consequência disso, foi um acordo estipulado entre as duas nações que traçaram uma linha imaginária, dividindo o “novo mundo” em duas partes. As terras, a oeste, seriam espanholas, e a leste, portuguesas (bula Inter Caetera 1493, Tratado de Tordesilhas 1494).
HISTÓRIA OFICIAL
Em 10 de março de 1500, a esquadra liderada pelo fidalgo Pedro Álvares Cabral, zarpou de Portugal com destino ao Oriente, levando consigo, 13 embarcações (10 naus e três caravelas) e uma tripulação de 1400 homens. Após 44 dias de viagem, em 22 de abril de 1500, chegaram à região da atual Porto Seguro (Bahia), descobrindo o Brasil.
“Nesta terra não vimos ferro e faltam-lhes outros metais. E cortam a madeira com pedras e têm muitas aves de muitas espécies, especialmente papagaios de muitas cores, entre os quais alguns grandes como galinhas e outras aves muito belas. E das penas das ditas aves fazem chapéus e barretes que usam. A terra é muito abundante em muitas árvores e muitas águas boas e inhames e algodão. Nestes lugares não vimos animal algum. A terra é grande e não sabemos se é ilha ou terra firme. Julgamos que seja pela sua grandeza terra firme. E tem muito bom ar e estes homens têm redes e são grandes pescadores e pescam peixes de muitas espécies”. (PEREIRA, 1999, p. 38)
O destino inicial era Calicute, cidade do estado de Kerala, na costa ocidental da Índia, considerada como um importante entreposto comercial que conectava “árabes”, “chineses” e “europeus” no câmbio de suas produções, principalmente no comércio de especiarias. Lembrando que o domínio Portugues se estendia da costa da África até a Ásia, entrelaçado em uma complexa armação administrativa que incluía fortificações, feitorias, colonias ultramarinas e cidades portuárias ao longo do percurso.
Representação de Calicute
CONTRAPONTOS
Como foi possível um desvio de rota tão gigantesco? O Brasil foi descoberto de propósito ou foi sorte do acaso?
A história oficial consagrou o nome de Pedro Álvares Cabral como o primeiro a encontrar as novas terras, no entanto, os portugueses já haviam chegado ao Brasil em data anterior à 1500. O segredo das rotas utilizadas para a navegação era o protocolo comum seguido pelos pilotos, pois garantiam a supremacia e os interesses comerciais do reino. Esta foi a estratégia de conquista, utilizada pelos portugueses desde o século XV, continuada por D. Manuel I.
“D. Manuel, que acompanhava com atenção os descobrimentos espanhóis, estava ao par dos movimentos da corte de Castela; mas no caso era superflua a espionagem, já que se não fazia misterio da expedição de Colombo, cujos preparativos vinham de meses atrás. O monarca português estava portanto dela informado quando seguiu para Toledo, e se era seu proposito reconhecer as terras austrais, definidas em Tordesilhas [...] por estas razões cuido que, se em março de 1498 Pacheco não desaferrara para o continente americano, já se tinham iniciado os preparativos da viagem que não devia tardar.” (SOUZA, 1946, p. 107)
Em Esmeraldo de Situ Orbis é descrito:
“Como no terceiro ano de vosso reinado do ano de Nosso Senhor de mil quatrocentos e noventa e oito, donde nos vossa Alteza mandou descobrir a parte ocidental, passando além a grandeza do mar Oceano, onde é achada e navegada uma tam grande terra firme, com muitas e grandes ilhas adjacentes a ela e é grandemente povoada. Tanto se dilata sua grandeza e corre com muita longura, que de uma arte nem da outra não foi visto nem sabido o fim e cabo dela. É achado nela muito e fino brasil com outras muitas cousas de que os navios nestes Reinos vem grandemente povoados.” (PEREIRA, 1892, .p. 63)
Duarte Pacheco Pereira, navegador, militar e cosmógrafo, relata parte da expedição empreendida em dezembro de 1498. Os navegantes conseguiram chegar até a altura dos atuais Estados do Pará e do Maranhão, coletando informações, registros sobre a localidade, assim como, é um dos primeiros manuscritos portugueses a mencionar a flora de pau-brasil existente na costa litoral.
Manuscrito de autoria do cosmógrafo português Duarte Pacheco Pereira. Dedicada ao rei D. Manuel I de Portugal
A FARSA DO DESCOBRIMENTO
Na realidade, Portugal não descobriu o Brasil, ele invadiu um território, submetendo a população local (4 principais grupos de nativos: os tupis, no litoral e parte do interior, os macro-jês no norte da Bacia Amazônica; os aruaques, no Planalto Central; e os cariris, também na região Amazônica) a seus ordenamentos. Recordando que, o atual território brasileiro já era habitado desde tempos pré-históricos, e no período da invasão, contava com cerca de cinco milhões de ocupantes, espalhados principalmente ao longo do litoral. Logo, se o Brasil já possuía uma população local, não se trata de uma descoberta, e sim de uma conquista.
Apesar da conquista oficial ter ocorrido em 1500, foi somente a partir da década de 1530 que os portugueses tomaram iniciativas mais consistentes de colonização. Por fim, em 22 de abril nada foi descoberto, trata-se da tomada de terras e da incorporação das mesmas sob domínio do Reino de Portugal, significa ainda, a inserção do país (Brasil) no contexto da História da Colonização Europeia.
CHOQUES CULTURAIS
Diferentemente da incipiente sociedade acumuladora de capital, a população nativa tem sua economia ligada a outros fatores como as tradições internas de cada grupo, seus mitos e rituais, que garantem organização comunitária sobre os recursos naturais e as necessidades do cotidiano. Sendo assim, não há demanda em produzir além daquilo que representasse suas necessidades imediatas. Dessa forma, tais agrupamentos se estruturam na dinâmica da caça, pesca, coleta e agricultura de subsistência.
ESCRAVIDÃO DA POPULAÇÃO NATIVA E DOS POVOS AFRICANOS
A Colonização do Brasil foi estruturada na submissão da população nativa, através da escravização e genocídio, especialmente daqueles que não se renderam à nova dinâmica imposta pelos portugueses. Tratada como um grande empreendimento comercial, foram trazidos sujeitos escravizados da África para compor a força de trabalho.
Séculos de barbárie, em que seres humanos foram reduzidos a objetos para satisfazer o interesse da Coroa Portuguesa, não pode ser transformado em uma suposta “disputa de narrativas”, quando as consequências de tal modelo de atuação no país se mantém evidente. É urgente apontar as incongruências em torno da falácia de que somos uma sociedade pacífica, haja vista nosso histórico de violência brutal de uma sociedade que se formou e se estruturou em bases escravistas.
A COLONIZAÇÃO E SEUS REFLEXOS ATUAIS
Um dos debates mais instigantes no campo da História-Ciência refere-se à possíveis continuidades de consequências oriundas da nossa colonização, o que entre historiadores denominamos permanências. Embora sejamos um país independente há quase 200 anos, ao menos sob o aspecto formal, podemos identificar diversas heranças oriundas da submissão a Portugal entre 1500 a 1822.
E levando em conta o nosso processo de independência que, de forma alguma foi marcado pelo consenso. Inclusive, a província do Maranhão só aderiu à independência um ano depois, enquanto que outros Estados do norte discutiam outros projetos de independência, como foi o caso da confederação do Equador de 1824, onde as províncias de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará tornaram-se Repúblicas. As desavenças se acirraram no período Regencial. Ainda assim, observamos um processo político que não representou de fato uma ruptura com as raízes coloniais. Pelo contrário, a nossa independência foi feita pelo herdeiro da Coroa Portuguesa, pelo alto, sem a participação do povo.
Não bastasse, tornou-se Monarquia ao invés de República, como fizeram as vizinhas colônias espanholas que, entre outras coisas, repensaram a sua estrutura econômica assentada na escravidão, ainda que nem todas tivessem feito a abolição no processo de independência. Entre debates de cidadania e de Constituição para o recém Império, a escravidão se manteve intocada e assegurava os privilégios das classes dominantes. Nativos e negros foram mantidos afastados da ideia de nação e de participação política, bem como as mulheres que não foram inclusas como cidadãs e não podiam participar dos processos eleitorais nem como votantes.
Estas permanências são enfatizadas por Lilia Schwarcz e Heloisa Starling, ao comentarem o quanto o racismo está entranhado na sociedade brasileira:
Último país a abolir a escravisão no ocidente, o Brasil segue sendo campeão em desigualdade social e prática um racismo silencioso mas igualmente perverso. Apesar de não existirem formas de discriminação no corpo da lei, os pobres e, sobretudo, as populações negras são ainda os mais culpabilizados pela Justiça, os que morrem mais cedo, têm menos acesso à educação superior pública, ou a cargos mais qualificados no mercado de trabalho. (SCHWARCZ, 2015, p. 15)
Por essa razão é urgente superarmos a narrativa de que no Brasil diferentes classes sociais convivem e conviveram pacificamente, seja por não encontrar lastro em documentos históricos, seja pela flagrante discrepância com o cotidiano. No ano em que temos a dura tarefa de superação do fascismo no plano federal, representado pelo atual presidente da república, é crucial reconhecermos nossas mazelas sociais, e, quem sabe, iniciarmos um acerto de contas profundo com nossa história.
REFERÊNCIAS
CENTER, Historic Cities. Civitates orbis terrarum. Disponível em: http://historic-cities.huji.ac.il/mapmakers/braun_hogenberg.html. Acesso em: 14 de abr. de 2022.
PEREIRA, Duarte Pacheco. Esmeraldo de situ orbis. Lisboa: Imprensa Nacional, 1892.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. STARLING, Heloísa Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
SOUZA, T. O. M. de. O Descobrimento do Brasil: de acordo com a documentação historico-cartografica e nautica. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 5º ed, 1946.
SOUZA, T. O. M. de. O Descobrimento do Brasil. Revista de História, [S. l.], v. 21, n. 43, p. 187-197, 1960. DOI: 10.11606/issn.2316-9141.rh.1960.120128. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/120128. Acesso em: 14 abr. 2022.
PEREIRA, Paulo Roberto Dias. 1999. Os três únicos testemunhos do descobrimento do Brasil 2a ed. revisada. Ed. Nova Aguilar S.A. Rio de Janeiro.