Segundo Jorge Ferreira, a operação fez com que Jango desistisse da resistência armada para evitar uma sangrenta Guerra Civil. Afinal, no Rio Grande do Sul, lideranças políticas, a exemplo de Leonel Brizola, em articulação com o 3º Exército, à época chefiado pelo General José Machado Lopes, preparavam-se para uma grande resistência armada.
No dia 1º de abril, com o Congresso tomado pelas forças armadas e com grande apoio de parlamentares, Auro de Moura de Andrade declarou a vacância da Presidência, com o Presidente ainda em território brasileiro. Em seguida, o Presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, é empossado na Presidência da República. O jornal Correio da Manhã lançava a seguinte manchete: “Fora”.
Apelidada de “revolução”, o golpe resultou numa ditadura que durou 21 anos. Seus defensores discursavam em prol da salvação da pátria, e os jornais alegavam que o golpe foi em defesa da lei e da ordem. Dias antes do golpe, o jornal Estado de S. Paulo celebrava a Marcha da Família com Deus pela Liberdade: “Meio milhão de paulistanos e paulistas manifestaram em SP, em nome de Deus e em prol da liberdade, seu repúdio ao comunismo e à ditadura e seu apego à lei e à democracia”. Segundo a Folha “não houve rebelião contra a lei. Na verdade, as Forças Armadas destinam-se a proteger a pátria e garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem”. Segundo os jornais e defensores, o golpe que depôs um presidente eleito foi dado para salvaguardar a democracia.
Até os dias atuais presenciamos uma série de ações com o intuito de naturalizar o Golpe de 1964, as quais, além de desamparadas de qualquer fonte coletivamente validada pela comunidade científica, configura-se como postura cínica por parte de “profissionais” da imprensa e do próprio Estado, sobretudo dos militares.
Dentre as principais estratégias narrativas exploradas por tal facção a que tem ganho mais corpo nos últimos anos é a alegação de que houve um movimento com o objetivo de garantir a ordem. Porém, conforme aponta Maria Lígia Prado na obra Novos Combates Pela História:
“O dicionário “Houaiss” explica movimento como: “ato ou efeito de mover; mudança de um corpo de um lugar para outro; deslocação; agitação: alvoroço; confusão”. E termos historiográficos, o termo só ganhar sentido se for agregado a um adjetivo como, por exemplo: movimento feminista, movimento operário, movimentos sociais, e assim por diante. Em conclusão, movimento é um termo vago, indefinido e inadequado para denominar um acontecimento da dimensão do ocorrido em 31 de março de 1964” (PRADO, p. 58, 2021)
Considerando as implicações da ditadura militar até os dias atuais, com diversos segmentos da sociedade civil e das corporações militares exaltando um dos períodos mais terríveis de nossa história, marcado por extermínio em massa de opositores, é necessário relembrarmos o que efetivamente foi 1964 e exigirmos duas medidas elementares.
De forma preliminar, é fundamental que seja instaurada uma justiça de transição, voltada ao julgamento dos criminosos que atentaram contra o regime democrático. Conjuntamente, temos como imprescindível um trabalho de base, centrado na participação ativa de todos os envolvidos, estruturada na consecução de uma sociedade comprometida com a superação de todas as opressões, a partir de uma trabalho coletivo que se inicie e encerre com aqueles que vivem da própria força de trabalho.
Parafraseando Eduardo Galeano, o Brasil permanece com as suas veias abertas. E temos a missão histórica de lutar contra sua petrificação em novos Borba Gatos.
Referências Bibliográficas:
GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. Trad. Sérgio Faraco. Porto Alegre: L&PM, 2010.
PINSKY, Jaime. PINSKY, Carla Bassanezi (Orgs). Novos combates pela História. São Paulo: Contexto, 2021.
FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (org). O Brasil Republicano: O tempo da ditadura, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.