O capitalismo nos vendeu uma ideia de vida baseada em bens materiais, regida por um consumismo exacerbado, calcada em títulos, cargos, postos. O imperativo do trabalho é regra. Simplesmente trabalha-se de sol a sol, acreditando que quanto mais se trabalha mais nos enobrecemos aborrecemos, pois assim estamos contribuindo para o quadro social sendo um doutor, padre ou policial...
— Ora, Jesus não tem dentes no país dos banguelas.
A natureza e a sociedade sofrem as consequências do progresso moderno. Progresso que caminha para o abismo, através de sucessivas crises provocadas pelo capitalismo que naturalizamos. "O trabalho faz o homem", "o trabalho nos traz dignidade". Será mesmo?
Duas frases que representam a ideologia do capital, também baseadas nos valores judaico- cristã. A primeira machista; a segunda falsa por demais.
Qual a dignidade que o proletário tem, senão uma superexploração do trabalho em troca de um salário medíocre, sem lazer, estudos, sem qualidade de vida, sobretudo em sua incipiente fase inicial no século XIX, momento em que as fábricas estão em seu desenvolvimento primário, sem leis do trabalho, com exaustivas cargas de trabalho; incluindo a mão de obra de crianças, sem a garantia de mínimas condições de subsistência, em cubículos insalubres nas fétidas cidades “progressistas”.
Fazendo um paralelo com o século XXI, podemos fazer o seguinte questionamento: qual a dignidade de um motorista de aplicativo que precisa trabalhar 12 horas por dia, sem nenhum direito trabalhista e previdenciário assegurado, além de ser responsável com todos os custos imprescindíveis à manutenção do seu veículo?
E como se não bastasse, referido contexto de precarização é romantizado na ideia de “empreendedorismo”, por meio da qual diversos trabalhadores de aplicativos são tratados como “parceiros”. Contudo, mesmo aqueles que possuem boas condições de trabalho e excelente remuneração, defrontam-se com o vazio de uma existência calcada no status e no consumo
Vivemos em uma sociedade que se concebe em conquistas, disputas, que se preenche na ideia da materialidade, do dinheiro, das coisas que o papel de valor pode comprar. A música Ouro de tolo do Raul Seixas, retrata um cidadão da classe média que aparentemente conseguiu aquilo que o capitalismo vende, a acumulação de dinheiro, que se justifica pelo mérito. A canção é uma crítica ao “sonho brasileiro” da década de 70, impulsionado pelo famigerado Milagre Econômico que alguns setores do país vivia.
O dito cidadão que deveria estar feliz porque tem um emprego respeitável, que ganha 4 mil cruzeiros por mês, deveria agradecer ao senhor por ter tido sucesso na vida... Ele devia estar contente por ter conseguido tudo que ele quis, mas está decepcionado. Porque o dito cidadão não vê sucesso no sucesso, porque vencer na vida é uma questão de estar mal disposto, alienado. Ele confessa, acha tudo isso um saco.
"Ah, eu devia estar sorrindo e orgulhoso
Por ter finalmente vencido na vida
Mas eu acho isso uma grande piada
E um tanto quanto perigosa"
Se olharmos o capitalismo como uma ideologia que tem em si um conjunto de valores que você não os escolheu, que simplesmente vivemos de acordo com ele, não é difícil notar as origens da angústia do homem moderno. É uma piada com a própria existência, nos vender por valores capitais, rompendo com o altruísmo, com empatia, com o lazer, com os amores.
No final das contas, você é só mais um, com um pouco mais de privilégios do que grande parte da população. Você é da classe oprimida. Você provavelmente reclama do preço do combustível, da carne, vê ano após ano a eterna crise financeira afetando as receitas da sua família, impedindo que você pague a escola do seu filho, as compras do mês, e as viagens de final de ano. O capitalismo não mentiu, ao olharmos para seu interior no processo histórico, ele desvenda a sua máscara, suas garras, suas armas, seus mortos.