O pontapé inicial do processo de imunização robusto aos moldes do que observamos hoje, originou-se em 1796 pelo médico inglês Edward Jenner com a criação da vacina contra a varíola¹.
A introdução da vacina no Brasil ocorreu em
1804, antes da chegada da corte portuguesa nas terras tupiniquins, pelo marquês
de Barbacena, que trouxe a técnica da vacina de Portugal e a pôs em prática na
Bahia.
As cobaias eram um grupo de sete crianças escravizadas
enviadas até Lisboa para tomarem as primeiras doses da vacina que regressaram
ao país imunizadas. A imunização ocorria de uma maneira chamada “braço a braço”,
a partir dos anticorpos produzidos pelo organismo dos vacinados.
A chegada da família
real no Brasil significou, uma forte mudança no âmbito social, político e mesmo
sanitário. A preocupação com os surtos e epidemias no país tropical - D.
João havia perdido dois Irmãos e um filho infectados pela varíola - serviu de impulso para a criação de instituições como
a Junta Vacínica da Corte em 1811, incumbida de implementar campanhas de vacinação
em todo país.
Foi declarado obrigatório a vacinação contra
a varíola de toda a população do Império em 1846 (incluindo pessoas em situação
de escravidão), porém essa normativa não pôde ser cumprida, visto que o país
não tinha infraestrutura para fabricar vacinas em grande escala.
Além disso, havia muita resistência popular à
vacinação por diversos motivos, um deles, seria a origem do material ser de pústulas de vacas doentes², e ainda
corria fake news nos grupos de família³ de que quem se vacinava virava jacaré, ops... acreditavam que o
vacinado desenvolveria feições de vaca.
— “Não, isso não é uma piada com contexto atual”
Após um século da chegada dos primeiros
imunizantes contra varíola, a compulsoriedade da vacinação era posta com mais
rigor. Fato que não foi bem recebida pelos populares – que não aceitavam ter
suas casas invadidas e tomar agulhadas contra sua vontade – em face da
conjuntura política e social da época, fez eclodir uma reação contrária a
campanha de imunização encabeçado por Oswaldo Cruz, a chamada “Revolta da
Vacina”, na capital.
O saldo em 6 dias de conflito foram, 30
mortos, 110 feridos, 945 detidos e 461 deportados. Como consequência a
obrigatoriedade da imunização foi cancelada pelo então presidente Rodrigues
Alves. Avesso a esse episódio em 1908, a capital foi atingida pela mais
violenta onda de varíola, o que motivou o desespero popular pela imunização.
A trajetória da vacinação no país, teve sua
consolidação na virada dos séculos XIX e XX,
através dos esforços de sanitaristas como: Vital Brasil, Oswaldo Cruz, Emílio
Ribas, Adolfo Lutz e suas equipes – no combate de diversas epidemias comuns no país,
como a febre amarela, cólera, varíola e peste bubônica.
Hoje a vacinação no Brasil é
realizada pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI) – criado em 1973 – referência
mundial quando se fala em política pública de saúde como um dos melhores
exemplos de garantia de acesso universal e igualitário. Distribui vacinas para
as mais diversas doenças por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), de norte a
sul do país.
Muitas conquistas foram alcançadas ao longo
de mais de dois séculos da presença das vacinas no país como a erradicação da
varíola em 1971 e a erradicação de paralisia infantil, com a campanha que aperfeiçoou
também seu produto de comunicação a partir da criação do personagem Zé Gotinha – presente atualmente – que ajudou alavancar a
cobertura vacinal contra a poliomielite.
Com a
pandemia da covid-19 não é diferente. Todos os imunizantes (sem exceção de
fabricante e ou farmacêutica) têm se mostrado como arma poderosa e eficaz no
combate ao vírus. O Brasil conta com a capilaridade e robustez do SUS, que em
meio a centenas de entraves políticos, foi responsável pela redução de 90% das
mortes no mês de outubro de 2021, comparado ao pico da pandemia.
Vacinas
salvam. Segundo a OMS, 3 milhões de vidas são salvas todos os anos com o
simples gesto de manter em dia o calendário vacinal. A vacinação não é um mero
capricho individual, mas sim um pacto social de responsabilidade compartilhado
por todos. Mantenha seu calendário vacinal atualizado, ele é de extrema
importância em todas as fases da vida.
Referências
BRITO,
Fernando. REFLEXOS DA VACINAÇÃO: Média móvel de óbitos por Covid-19
tem queda de quase 90% desde o pico da pandemia. Brasília, 19 out. 2021.
Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2021-1/outubro/media-movel-de-obitos-por-covid-19-tem-queda-de-quase-90-desde-o-pico-da-pandemia.
Acesso em: 8 nov. 2021.
Verectido
oficial: Documento inédito indica começo da imunização no Brasil, em
1804. PESQUISA FAPESP, São Paulo, n. 139, p. 8-9, 3 set. 2007.
TORRES,
Raquel. Saúde em 1800: Mesmo sem formação oficial, terapeutas não-acadêmicos se
inseriam nas práticas médicas da época e tinham grande prestígio junto à
população. POLI, São Paulo. P. 10-11, nov/dez 2008.
Vacinas e vacinação no Brasil: horizontes para os próximos 20 anos. Akira Homma, Cristina Possas,
José Carvalho de Noronha, Paulo Gadelha, organizadores. – Rio de Janeiro:
Edições Livres, 2020. 244 p.
¹ Doença erradicada em 1980 pela OMS, que vitimou mais de 300 milhões de pessoas
ao redor do globo.
² Conhecida como inoculação, que envolve pegar pus de uma vaca afetada pela
varíola e aplicar na pele de uma pessoa saudável.
³ Analogia ao atual cenário de propagação de notícias falsas em aplicativos de
mensagens.