Numa manhã chuvosa em Nova York, Sal Paradise (Jack Kerouac) se encontra desolado no funeral de seu pai. É ali que se inicia sua viagem pelo Oeste dos EUA no ano de 1947, logo após o fim da Segunda Guerra. Sentado na escrivaninha do seu quarto enquanto traga seu cigarro, recolhe algumas folhas em branco para seguir rumo e escrever suas experiências, no que viria a ser o seu diário de bordo. Se despede de sua tia com um beijo na testa, coloca sua mochila nas costas e sai vagando pela cidade à procura de sua primeira carona com destino à Denver, para encontrar com seus amigos Dean Moriarty (Neal Cassady) e Carlo Marx (Allen Ginsberg) que haviam partido dias antes e o esperavam para viver os dias intensamente sem maiores preocupações, a não ser viver as noites jazzistas regadas à benzedrina.

    A narrativa do romance se constrói em forma de prosa espontânea, como era a característica do movimento: poesia sem métrica, texto em fluxo de consciência sem atender às regras gramaticais de forma exaustiva, numa crítica ao formalismo. Esses textos descreviam as experiências cotidianas desses sujeitos e expressavam as angústias e anseios de uma sociedade que havia passado por duas guerras. Esse primeiro momento do movimento, foi repleto pelo desejo de viver intensamente, buscando momentos extremos de “loucura”, percorrendo cidade por cidade para viver suas noites gloriosas. Como o próprio Sal disse:

Mas, nessa época, eles dançavam pelas ruas como piões frenéticos, e eu me arrastava na mesma direção como tenho feito toda a minha vida, sempre rastejando atrás de pessoas que me interessam, porque, para mim, pessoas mesmo são os loucos, os que estão loucos para viver, loucos para falar, loucos para serem salvos, que querem tudo ao mesmo tempo, aqueles que nunca bocejam e jamais dizem coisas comuns, mas queimam, queimam, queimam como fabulosos fogos de artifício, explodindo como constelações em cujo centro fervilhante...(p.11)

    Dean que, segundo Sal, “era um delinquente juvenil envolto em mistério”, um sujeito que vivia em condições precárias, tentando sobreviver a qualquer custo, fazendo bico em estacionamentos, bares, restaurantes. Sal Paradise era constituinte de uma pequena classe média, ligado à literatura. Carlo Marx, bom, este era um poeta que estava sempre inspirado, esperando o seu grande poema que prometeu aos seus amigos quando fizesse 23 anos. O uivo talvez seja o poema mais conhecido da geração. Na trama, ainda temos a presença de Bull Lee (William Burroughs), considerado o pai da geração Beat. Segundo ele, Kerouac escreveu partes do romance no banheiro de sua casa enquanto defecava.  

    Depois de viver dias intensos em Denver com sexo, drogas, jazz e umas pitadas de literatura, Sal seguiria viagem para São Francisco e Los Angeles, pegando caronas em caminhões, descolando uns trocados nas colheitas de algodão e escrevendo em pedaços de papéis as suas experiências. Volta para sua casa em NY, e viaja para Virgínia com sua tia, à casa de seu irmão. Numa noite enquanto seus parentes conversavam sobre bebês e casas novas, ele avista um Hudson 49 todo enlameado em frente à sua casa:

___ “Um sujeito moço, fatigado e musculoso, metido numa camiseta esfarrapada, com a barba por fazer e os olhos vermelhos, chegou até a varanda e tocou a campainha”.

Era o Dean, acompanhado por Marylou e Ed Dunkel.

___ “Precisamos de um banho nesse exato momento, estamos no bagaço”. Disse ele.

Depois partiram para NY de carro com Dean. Ficam um tempo curtindo por lá, amontoados no apartamento de Sal, sempre reflexivo e inquieto.

___ “Eu não sabia o que estava acontecendo comigo, de repente percebi que era o chá que estávamos fumando; Dean tinha comprado um pouco em Nova York. Era levado a pensar que tudo estava prestes a acontecer — aquele momento em que você sabe tudo, e tudo fica decidido para a eternidade”.

Ao encontrar Carlo, apenas ouviram seus sermões:

___ “Não estou tentando roubar o doce da boca de vocês, crianças, mas parece-me que já é hora de decidir quem são, o que farão da vida. — Carlo estava trabalhando como datilografo num escritório. — Quero saber o que significa essa vagabundagem dentro de casa, o dia inteiro. O que significa toda essa conversa fiada, e o que vocês pensam fazer da vida. Dean, por que abandonou Camille e está transando com Marylou?”.

Na sua segunda viagem em 1948, continuam a desbravar os EUA e vão até o Mexico...

Assim foi escrito e retratado o cotidiano da primeira geração Beat, repleta de um sonho aventureiro, que constituía uma contracultura que depois, viria a influenciar os movimentos hippies. 

Em um segundo momento, no decorrer da década de 1950, o movimento expressou uma crítica à aquela sociedade militarista e criminalizavam o imperialismo estadunidense, sobretudo após os bombardeamentos das cidades Japonesas de Hiroshima e Nagasaki em 1945. O american way of life foi fortemente criticado pelo poeta Allen Ginsberg, cuspindo poemas ácidos à tal prosperidade econômica e ao conformismo dos anos 50. O modelo de vida vendido pela indústria cultural estadunidense, projetava o padrão branco e de classe média, vivendo suas vidas felizes marcada pelo consumismo. Em On the Road a frase “temos que baixar o custo da vida” era o lema que prescindia os furtos que faziam nas lojas de estradas durante a viagem. Allen se tornou um intelectual da cultura pop, tendo influenciado diversos artistas como Jim Morrison e Bob Dylan e também participado de vários projetos com ícones do rock, como Paul McCartney que recitou o poema Uivo junto ao autor. 


“Eu vi os expoentes da minha geração destruídos pela loucura,

morrendo de fome, histéricos, nus, arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada em busca de uma dose violenta de qualquer coisa (...)

pobres, esfarrapados e olheiras fundas, viajaram fumando sentados na sobrenatural escuridão...

 dos miseráveis apartamentos sem água quente, flutuando sobre os tetos das cidades contemplando jazz (...)”

 

O texto literário constitui uma fonte ao historiador e historiadora, quando tomado pelo método historiográfico, feito as devidas contextualizações, problematizações, nos fornece aspectos das experiências de outros em outros tempos, bem como sensibilidades, pois o texto literário (assim como outras formas de textos) carregam as marcas de historicidade de seu tempo. Nesse sentido, On the Road nos ajuda a pensar os problemas, as questões, e a perspectiva desses sujeitos, configurando um movimento contracultural que desafiava o modelo de vida vendido a uma elite

            A narrativa construída, sobretudo no século XX, considerou a princesa Isabel como protagonista do processo de abolição e até mesmo como defensora da causa abolicionista. Essa visão construída pelo ato da assinatura, alimenta a ideia de que a abolição foi uma dádiva do Estado Imperial, e acaba esquecendo que o próprio Estado, representado na figura de D. Pedro II, era proprietário de escravizados. A obra de Pedro Américo A libertação dos escravos 1889 representa bem essa visão, onde no centro a imagem há uma figura com um manto verde representando o Estado e os escravizados à sua volta em devoção; acima, uma cruz reluzente paira no ar mostrando a presença divina da igreja. Nessa imagem, parte da narrativa conservadora onde é construída a ideia de que a igreja e o Estado concederam a liberdade aos escravizados.



(Lei Áurea, 1888. Fonte: IMS)

            Nada mais irônico pensar que, por mais de três séculos a igreja e as forças políticas desta Terra de Santa Cruz subjugaram milhões de pessoas, construíram narrativas sociais e culturais para a manutenção dos privilégios gerados pela estrutura da escravidão (sendo o último país a abolir a escravidão), constituíram verdadeiras guerras para apagar qualquer fagulha de resistência, agora, disputam as narrativas entorno da abolição.

        A canetada declarou extinta a escravidão, no entanto, na Lei Áurea não foi pensado nenhum projeto de emancipação social para a inclusão dessas pessoas na sociedade. Contendo somente dois artigos que diziam sucintamente:

Artigo 1: É declarada extinta desde a data desta Lei a escravidão no Brasil

                                             Artigo 2: Revogam-se as disposições em contrário. (Lei Áurea, 1888).










(Assinatura da Lei Áurea no Paço Imperial. Fonte: IMS)

        Não foi logo após o amanhecer que todos os escravizados foram libertos. É impossível imaginarmos que uma estrutura escravista tenha simplesmente ruído com a assinatura de uma lei, e que no dia seguinte, todos estavam livres e felizes. Muito pelo contrário, diversas fazendas ainda continuaram a utilizar a força de trabalho de escravizados por anos. Além disso, caiu sobre os ombros desses sujeitos o peso de toda a estrutura escravista que perdurou por séculos, construindo imaginários, cultura e o racismo.

           Com isso, se depararam com uma sociedade onde não tinham acesso à moradia (onde se viram obrigados a morar nos morros em condições precárias; nem a trabalho (que muitas vezes integraram a trabalhos ainda em condições escravistas); nem educação (em um momento onde a educação era usada como forma de exclusão) e muito menos saúde (em surtos de epidemias). De modo que, tudo que a população negra conquistou, foi por meio de lutas. Nos anos de 1920, organizaram diversos movimentos em defesa da educação para negros, por exemplo. Nesse sentido, nenhuma política de inserção social foi pensada pelo Estado, e suas ações caminharam mais no sentido de mascarar o problema social, em criar leis racistas como a lei da “vadiagem” do que realmente contribuir para a solução do problema.  



(Missa campal celebrando a abolição, 1888. Fonte: IMS.)

            Por fim, nunca é demais dizermos que, a abolição da escravatura foi um processo de resistência das pessoas escravizadas homens negros, mulheres negras que lutaram cotidianamente, seja com resistências moleculares e negociações ou revoltas maiores, para que tivessem sua liberdade, conseguintemente, a queda da escravidão. Desse modo, as revoltas das pessoas escravizadas foram parte do cotidiano e constituiu uma luta demorada, mas que foi muito importante.  Fato que passou a ser contemplado no horizonte de expectativas, mobilizando também a opinião pública que se viu contornada pelos movimentos abolicionistas. Se a abolição não foi uma benesse do Estado e muito menos das elites, ela representou uma luta histórica desses sujeitos e que continuam até hoje lutando para romper com esse racismo estrutural em nossa sociedade.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHALHOUB, Sidney Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo, SP: Cia das Letras, 1990.

REIS, João José; SILVA, Eduardo. Fugas, revoltas e quilombos: os limites da negociação.

COSTA, Emilia Viotti da. A abolição. 2. ed. São Paulo: Global, 1986.





Quem foi Beatriz Nascimento? Maria Beatriz Nascimento nasceu em Aracaju, Sergipe, em 17 de julho de 1942. Oitava filha de Rubina Pereira do Nascimento, “dona de casa”, e Francisco Xavier do Nascimento, pedreiro, teve nove irmãos. Assim como milhares de famílias nordestinas¹ da época, migrou para a região Sudeste no ano de 1949, mais precisamente para o Cordovil, bairro do subúrbio carioca.


Porque devemos falar dessa historiadora sergipana? 


Bom, é claro que em nossas vidas temos muito presente um pensamento eurocêntrico e isso demonstra como na maior parte do tempo nos deixamos ser influenciados por modismos e nos esquecemos de pessoas como essa grande historiadora, uma mulher que lutou por aquilo que acreditava e que defendia seu povo. Ao lado de pesquisadores e pesquisadoras negras, fundou o Grupo de Trabalho André Rebouças na Universidade Federal Fluminense (UFF). Entre os anos finais da década de 1970 e o início dos anos 1980, marcou presença na retomada dos movimentos sociais negros organizados, tendo vínculo inclusive com o Movimento Negro Contra a Discriminação Racial (MNUCDR, nome mais tarde reduzido para MNU), fundado em 1978.

Além de toda essa atividade, Nascimento se debruçou em estudar durante duas décadas as formações dos quilombos no Brasil. Segundo o antropólogo Alex Ratts (2006, p. 54),  Beatriz pensava os territórios de resistência de escravizados e seus descendentes de maneira científica, mas também a partir de sua trajetória pessoal e do seu ativismo político antirracista. Nesse sentido, a historiadora sergipana era propositiva ao defender o reconhecimento e a titulação das terras quilombolas, o que aconteceria a partir de 1995.

O pensamento de Beatriz Nascimento foi fundamental para o entendimento das práticas discriminatórias que pesavam e pesam sobre os corpos das mulheres negras, sendo ela um dos expoentes do que hoje é conhecido como Feminismo Negro. A invisibilidade que a mulher negra sofre no ambiente acadêmico se dá também pelo homem branco, mulher branca e até mesmo o homem negro, todos eles não conseguem enxergar a mulher negra no ambiente acadêmico, no papel de intelectual, e isso dificulta a visibilidade que elas deveriam receber, mas que em muitos contextos ainda não recebem, como é o caso de Lélia Gonzalez. Muitos ainda resistem em reconhecer Beatriz Nascimento como uma autora “acadêmica”.

Sofremos com o esquecimento dos (as) autores (as) negros (as) na academia brasileira, acredito ser pertinente nos questionarmos os motivos desse esquecimento e também os impactos causados não apenas na universidade. Na vida da população em geral, é raro vermos pessoas que não estão inseridas no meio acadêmico estarem lendo alguma autora negra e isso tem um impacto muito grande, nossas crianças estão crescendo sem se sentirem representadas por escritores, artistas e em qualquer outro meio.

O esquecimento que a população negra sofre não é apenas em Universidades, mas sim em vários outros meios um esquecimento que ajuda com o embranquecimento que nosso país vem sofrendo desde a sua “descoberta”, algo que devemos abrir nossos olhos e começarmos a frear. O embranquecimento não prejudica apenas a população negra que vive em nosso país, mas também gera sentimentos negativos por qualquer pessoa que não tenha a pele branca e é esse sentimento que devemos manter longe de nossas vidas, de nossas crianças e de nosso país todo.

Beatriz Nascimento lutava diariamente não apenas contra os ataques pelo seu tom de pele, mas também por não se calar e falar aquilo que os “poderosos” não queriam que fosse falado, ela lutou com todas suas forças para defender o que acreditava. Beatriz teve sua vida ceifada pelo companheiro de uma amiga, que em 28 de janeiro de 1995 disparou cinco tiros à queima-roupa contra ela. Contudo, suas contribuições permanecem semeando uma História Antirracista.

 

¹ O Nordeste como espaço territorial foi inventado em 1942 durante o Estado Novo. Fruto da política encabeçada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que estabeleceu a primeira Divisão Regional do Brasil em : Norte, Nordeste, Leste, Sul e Centro-Oeste.


REFERÊNCIAS

Ôrí. Direção de Raquel Gerber. Brasil: Estelar Produções Cinematográficas e Culturais, 1989, vídeo (131 min), colorido. Relançado em 2009, em formato digital. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=g7WaWiOkLLg Acesso: 12 nov. 2021.

RATTS, Alex. Eu sou Atlântica: sobre a trajetória de vida de Beatriz Nascimento. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, Instituto Kuanza, 2007





BREVE CONTEXTO

Os rumores sobre terras desconhecidas a oeste despertou o interesse das coroas Lusitanas e Castelhanas (nações com um poder monárquico consolidado, territórios unificados, com experiência na exploração oceânica, realizada durante as Grandes Navegações ao longo do século XV). Assim, os respectivos reinados mobilizaram-se no financiamento de expedições para além de seus domínios. 

Através do aporte espanhol, Cristóvão Colombo, chegou à América em 1492. A consequência disso, foi um acordo estipulado entre as duas nações que traçaram uma linha imaginária, dividindo o “novo mundo” em duas partes. As terras, a oeste, seriam espanholas, e a leste, portuguesas (bula Inter Caetera 1493, Tratado de Tordesilhas 1494).


HISTÓRIA OFICIAL

Em 10 de março de 1500, a esquadra liderada pelo fidalgo Pedro Álvares Cabral, zarpou de Portugal com destino ao Oriente, levando consigo, 13 embarcações (10 naus e três caravelas) e uma tripulação de 1400 homens.  Após 44 dias de viagem, em 22 de abril de 1500, chegaram à região da atual Porto Seguro (Bahia), descobrindo o Brasil. 


Nesta terra não vimos ferro e faltam-lhes outros metais. E cortam a madeira com pedras e têm muitas aves de muitas espécies, especialmente papagaios de muitas cores, entre os quais alguns grandes como galinhas e outras aves muito belas. E das penas das ditas aves fazem chapéus e barretes que usam. A terra é muito abundante em muitas árvores e muitas águas boas e inhames e algodão. Nestes lugares não vimos animal algum. A terra é grande e não sabemos se é ilha ou terra firme. Julgamos que seja pela sua grandeza terra firme. E tem muito bom ar e estes homens têm redes e são grandes pescadores e pescam peixes de muitas espécies”. (PEREIRA, 1999, p. 38) 


O destino inicial era Calicute, cidade do estado de Kerala, na costa ocidental da Índia, considerada como um importante entreposto comercial que conectava “árabes”, “chineses” e “europeus” no câmbio de suas produções, principalmente no comércio de especiarias. Lembrando que o domínio Portugues se estendia da costa da África até a Ásia, entrelaçado em uma complexa armação administrativa que incluía fortificações, feitorias, colonias ultramarinas e cidades portuárias ao longo do percurso.

Representação de Calicute


CONTRAPONTOS

Como foi possível um desvio de rota tão gigantesco? O Brasil foi descoberto de propósito ou foi sorte do acaso?


A história oficial consagrou o nome de Pedro Álvares Cabral como o primeiro a encontrar as novas terras, no entanto, os portugueses já haviam chegado ao Brasil em data anterior à 1500. O segredo das rotas utilizadas para a navegação era o protocolo comum seguido pelos pilotos, pois garantiam a supremacia e os interesses comerciais do reino. Esta foi a estratégia de conquista, utilizada pelos portugueses desde o século XV, continuada por D. Manuel I. 


“D. Manuel, que acompanhava com atenção os descobrimentos espanhóis, estava ao par dos movimentos da corte de Castela; mas no caso era superflua a espionagem, já que se não fazia misterio da expedição de Colombo, cujos preparativos vinham de meses atrás. O monarca português estava portanto dela informado quando seguiu para Toledo, e se era seu proposito reconhecer as terras austrais, definidas em Tordesilhas [...] por estas razões cuido que, se em março de 1498 Pacheco não desaferrara para o continente americano, já se tinham iniciado os preparativos da viagem que não devia tardar.” (SOUZA, 1946, p. 107)


Em Esmeraldo de Situ Orbis é descrito:


“Como no terceiro ano de vosso reinado do ano de Nosso Senhor de mil quatrocentos e noventa e oito, donde nos vossa Alteza mandou descobrir a parte ocidental, passando além a grandeza do mar Oceano, onde é achada e navegada uma tam grande terra firme, com muitas e grandes ilhas adjacentes a ela e é grandemente povoada. Tanto se dilata sua grandeza e corre com muita longura, que de uma arte nem da outra não foi visto nem sabido o fim e cabo dela. É achado nela muito e fino brasil com outras muitas cousas de que os navios nestes Reinos vem grandemente povoados.” (PEREIRA, 1892, .p. 63)


Duarte Pacheco Pereira, navegador, militar e cosmógrafo, relata parte da expedição empreendida em dezembro de 1498. Os navegantes conseguiram chegar até a altura dos atuais Estados do Pará e do Maranhão, coletando informações, registros sobre a localidade, assim como, é um dos primeiros manuscritos portugueses a mencionar a flora de pau-brasil existente na costa litoral.


Manuscrito de autoria do cosmógrafo português Duarte Pacheco Pereira. Dedicada ao rei D. Manuel I de Portugal


A FARSA DO DESCOBRIMENTO

Na realidade, Portugal não descobriu o Brasil, ele invadiu um território, submetendo a população local (4 principais grupos de nativos: os tupis, no litoral e parte do interior, os macro-jês  no norte da Bacia Amazônica; os aruaques, no Planalto Central; e os cariris, também na região Amazônica) a seus ordenamentos. Recordando que, o atual território brasileiro já era habitado desde tempos pré-históricos, e no período da invasão, contava com cerca de cinco milhões de ocupantes, espalhados principalmente ao longo do litoral. Logo, se o Brasil já possuía uma população local, não se trata de uma descoberta, e sim de uma conquista.


Apesar da conquista oficial ter ocorrido em 1500, foi somente a partir da década de 1530 que os portugueses tomaram iniciativas mais consistentes de colonização. Por fim, em 22 de abril nada foi descoberto, trata-se da tomada de terras e da incorporação das mesmas sob domínio do Reino de Portugal, significa ainda, a inserção do país (Brasil) no contexto da História da Colonização Europeia. 


CHOQUES CULTURAIS

Diferentemente da incipiente sociedade acumuladora de capital, a população nativa tem sua economia ligada a outros fatores como as tradições internas de cada grupo, seus mitos e rituais, que garantem organização comunitária sobre os recursos naturais e as necessidades do cotidiano. Sendo assim, não há demanda em produzir além daquilo que representasse suas necessidades imediatas. Dessa forma, tais agrupamentos se estruturam na dinâmica da caça, pesca, coleta e agricultura de subsistência.


ESCRAVIDÃO DA POPULAÇÃO NATIVA E DOS POVOS AFRICANOS


A Colonização do Brasil foi estruturada na submissão da população nativa, através da escravização e genocídio, especialmente daqueles que não se renderam à nova dinâmica imposta pelos portugueses. Tratada como um grande empreendimento comercial, foram trazidos sujeitos escravizados da África para compor a força de trabalho.

Séculos de barbárie, em que seres humanos foram reduzidos a objetos para satisfazer o interesse da Coroa Portuguesa, não pode ser transformado em uma suposta “disputa de narrativas”, quando as consequências de tal modelo de atuação no país se mantém evidente. É urgente apontar as incongruências em torno da falácia de que somos uma sociedade pacífica, haja vista nosso histórico de violência brutal de uma sociedade que se formou e se estruturou em bases escravistas.


A COLONIZAÇÃO E SEUS REFLEXOS ATUAIS


Um dos debates mais instigantes no campo da História-Ciência refere-se à possíveis continuidades de consequências oriundas da nossa colonização, o que entre historiadores denominamos permanências. Embora sejamos um país independente há quase 200 anos, ao menos sob o aspecto formal, podemos identificar diversas heranças oriundas da submissão a Portugal entre 1500 a 1822.

E levando em conta o nosso processo de independência que, de forma alguma foi marcado pelo consenso. Inclusive, a província do Maranhão só aderiu à independência um ano depois, enquanto que outros Estados do norte discutiam outros projetos de independência, como foi o caso da confederação do Equador de 1824, onde as províncias de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará tornaram-se Repúblicas. As desavenças se acirraram no período Regencial.  Ainda assim, observamos um processo político que não representou de fato uma ruptura com as raízes coloniais.  Pelo contrário, a nossa independência foi feita pelo herdeiro da Coroa Portuguesa, pelo alto, sem a participação do povo.

Não bastasse, tornou-se Monarquia ao invés de República, como fizeram as vizinhas colônias espanholas que, entre outras coisas, repensaram a sua estrutura econômica assentada na escravidão, ainda que nem todas tivessem feito a abolição no processo de independência. Entre debates de cidadania e de Constituição para o recém Império, a escravidão se manteve intocada e assegurava os privilégios das classes dominantes. Nativos e negros foram mantidos afastados da ideia de nação e de participação política, bem como as mulheres que não foram inclusas como cidadãs e não podiam participar dos processos eleitorais nem como votantes.  

Estas permanências são enfatizadas por Lilia Schwarcz e Heloisa Starling, ao comentarem o quanto o racismo está entranhado na sociedade brasileira:


Último país a abolir a escravisão no ocidente, o Brasil segue sendo campeão em desigualdade social e prática um racismo silencioso mas igualmente perverso. Apesar de não existirem formas de discriminação no corpo da lei, os pobres e, sobretudo, as populações negras são ainda os mais culpabilizados pela Justiça, os que morrem mais cedo, têm menos acesso à educação superior pública, ou a cargos mais qualificados no mercado de trabalho. (SCHWARCZ, 2015, p. 15)


Por essa razão é urgente superarmos a narrativa de que no Brasil diferentes classes sociais convivem e conviveram pacificamente, seja por não encontrar lastro em documentos históricos, seja pela flagrante discrepância com o cotidiano. No ano em que temos a dura tarefa de superação do fascismo no plano federal, representado pelo atual presidente da república, é crucial reconhecermos nossas mazelas sociais, e, quem sabe, iniciarmos um acerto de contas profundo com nossa história. 


REFERÊNCIAS

CENTER, Historic Cities. Civitates orbis terrarum. Disponível em: http://historic-cities.huji.ac.il/mapmakers/braun_hogenberg.html. Acesso em: 14 de abr. de 2022.

PEREIRA, Duarte Pacheco. Esmeraldo de situ orbis. Lisboa: Imprensa Nacional, 1892. 

SCHWARCZ, Lilia Moritz. STARLING, Heloísa Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

SOUZA, T. O. M. de. O Descobrimento do Brasil: de acordo com a documentação historico-cartografica e nautica. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 5º ed, 1946.

SOUZA, T. O. M. de. O Descobrimento do Brasil. Revista de História, [S. l.], v. 21, n. 43, p. 187-197, 1960. DOI: 10.11606/issn.2316-9141.rh.1960.120128. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/120128. Acesso em: 14 abr. 2022.

PEREIRA, Paulo Roberto Dias. 1999. Os três únicos testemunhos do descobrimento do Brasil 2a ed. revisada. Ed. Nova Aguilar S.A. Rio de Janeiro.


 


            O golpe já estava orquestrado e no dia 31 de março a “Coluna Tiradentes”, comandada por Antônio Carlos Muricy e Mourão Filho, se precipitou e saiu de Juiz de Fora com destino ao Rio de Janeiro. No Rio, as tropas golpistas esperavam por um contra-ataque das tropas legalistas. Bloquearam as ruas de acesso ao Palácio da Guanabara e também organizaram vigílias nas praias caso houvesse possível desembarque de fuzileiros. Os EUA subsidiaram o golpe com a “Operação Brother Sam”, na qual deslocaria navios de guerra para as costas brasileiras, no intuito de apoiar o golpe caso houvesse uma resistência. No entanto, não houve resistência organizada. Como diriam, a porteira estava aberta e o gado entrou e tomaram o palácio sem nenhum esforço. 

Segundo Jorge Ferreira, a operação fez com que Jango desistisse da resistência armada para evitar uma sangrenta Guerra Civil. Afinal, no Rio Grande do Sul, lideranças políticas, a exemplo de Leonel Brizola, em articulação com o 3º Exército, à época chefiado pelo General José Machado Lopes, preparavam-se para uma grande resistência armada. 

No dia 1º de abril, com o Congresso tomado pelas forças armadas e com grande apoio de parlamentares, Auro de Moura de Andrade declarou a vacância da Presidência, com o Presidente ainda em território brasileiro. Em seguida, o Presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, é empossado na Presidência da República. O jornal Correio da Manhã lançava a seguinte manchete: “Fora”.

Apelidada de “revolução”, o golpe resultou numa ditadura que durou 21 anos. Seus defensores discursavam em prol da salvação da pátria, e os jornais alegavam que o golpe foi em defesa da lei e da ordem. Dias antes do golpe, o jornal Estado de S. Paulo celebrava a Marcha da Família com Deus pela Liberdade: “Meio milhão de paulistanos e paulistas manifestaram em SP, em nome de Deus e  em prol da liberdade, seu repúdio ao comunismo e à ditadura e seu apego à lei e à democracia”. Segundo a Folha “não houve rebelião contra a lei. Na verdade, as Forças Armadas destinam-se a proteger a pátria e garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem”. Segundo os jornais e defensores, o golpe que depôs um presidente eleito foi dado para salvaguardar a democracia.  

Até os dias atuais presenciamos uma série de ações com o intuito de naturalizar o Golpe de 1964, as quais, além de desamparadas de qualquer fonte coletivamente validada pela comunidade científica, configura-se como postura cínica por parte de “profissionais” da imprensa e do próprio Estado, sobretudo dos militares.

Dentre as principais estratégias narrativas exploradas por tal facção a que tem ganho mais corpo nos últimos anos é a alegação de que houve um movimento com o objetivo de garantir a ordem. Porém, conforme aponta Maria Lígia Prado na obra Novos Combates Pela História:

 “O dicionário “Houaiss” explica movimento como: “ato ou efeito de mover; mudança de um corpo de um lugar para outro; deslocação; agitação: alvoroço; confusão”. E termos historiográficos, o termo só ganhar sentido se for agregado a um adjetivo como, por exemplo: movimento feminista, movimento operário, movimentos sociais, e assim por diante. Em conclusão, movimento é um termo vago, indefinido e inadequado para denominar um acontecimento da dimensão do ocorrido em 31 de março de 1964” (PRADO, p. 58, 2021)

Considerando as implicações da ditadura militar até os dias atuais, com diversos segmentos da sociedade civil e das corporações militares exaltando um dos períodos mais terríveis de nossa história, marcado por extermínio em massa de opositores, é necessário relembrarmos o que efetivamente foi 1964 e exigirmos duas medidas elementares.

De forma preliminar, é fundamental que seja instaurada uma justiça de transição, voltada ao julgamento dos criminosos que atentaram contra o regime democrático. Conjuntamente, temos como imprescindível um trabalho de base, centrado na participação ativa de todos os envolvidos, estruturada na consecução de uma sociedade comprometida com a superação de todas as opressões, a partir de uma trabalho coletivo que se inicie e encerre com aqueles que vivem da própria força de trabalho.

Parafraseando Eduardo Galeano, o Brasil permanece com as suas veias abertas. E temos a missão histórica de lutar contra sua petrificação em novos Borba Gatos. 



Referências Bibliográficas:

GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. Trad. Sérgio Faraco. Porto Alegre: L&PM, 2010.

PINSKY, Jaime. PINSKY, Carla Bassanezi (Orgs). Novos combates pela História. São Paulo: Contexto, 2021.

FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (org). O Brasil Republicano: O tempo da ditadura, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. 


             



Quem foi Lélia? Como ela mesma dizia em suas apresentações públicas: “A barra é pesada. Eu sou uma mulher nascida de família pobre. Meu pai era operário, negro. Minha mãe uma índia analfabeta. Tiveram dezoito filhos, e eu sou a décima sétima”.

            Lélia nasceu no dia 01 de fevereiro do ano de 1935, em Belo Horizonte. Seus pais Urcinda Serafim de Almeida e Acácio Joaquim de Almeida, como já dito antes seus pais eram pessoas simples de origem humilde que trabalhavam incansavelmente pelo sustento da família. Antes de prosseguirmos nesta jornada de conhecimento de Lélia gostaria aqui de deixar claro que não foi possível identificar a etnia correta de dona Urcinda, no entanto os grupos indígenas que podemos identificar na mesma época são os tupiniquins, no Espirito Santo e os maxacalis e os krenaks, em Minas Gerais.

            Sabendo a origem de Lélia já conseguimos imaginar o quão difícil foi para essa garotinha crescer em um mundo onde sua cor influencia na forma como ela será vista e tratada pela sociedade. Ao realizar diversas leituras sobre Lélia Gonzales e leituras de seus textos como Racismo e Sexismo na cultura brasileira fica o questionamento de como falar de uma mulher como ela, qual será a melhor forma de contar seus grandes passos não apenas em sua vida profissional como também em sua vida pessoal. Tendo isso em mente gostaria de começar por uma parte da vida de Lélia que causa um choque em muitas pessoas.

            Lélia nem sempre teve o sobrenome Gonzalez, o mesmo veio após seu casamento com Luiz Carlos Gonzalez após o suicídio de seu marido Lélia decidiu manter o Gonzales em homenagem ao seu amado que mesmo sendo um homem branco de origem espanhola sempre apoiou sua esposa, o motivo de seu suicídio é uma prova de como ele a aceitava e lhe dava todo o apoio na questão racial, a família dele já não apoiava o relacionamento antes do casamento chegaram a acreditar que os dois viviam uma relação de concubinagem e após o casamento passaram a tornar a vida de Luiz Carlos e Lélia um verdadeiro inferno. Foi nesse momento na vida de Lélia que ela teve um choque grande em sua trajetória, pois para família de seu marido estava tudo bem se ela fosse apenas a mulher que satisfaria os desejos dele e mais nada, agora ser esposa dele no papel tudo certinho aí não podia.

            Lélia passou por um processo de embranquecimento desde sua infância e lutar contra isso nunca foi algo fácil, até porque notar isso também não foi fácil, porém, com muita luta, muitos estudos, determinação e vontade ela conseguiu coisas incríveis. Lélia se graduou em História e Filosofia, fez pós-graduação em Comunicação e Antropologia, cursos livres em Sociologia e Psicanálise, foi militante do Movimento Negro, fundadora do Movimento Negro Unificado e vice-presidente Cultural do Instituto de Pesquisa das Culturas Negras (IPCN), foi membro do Conselho Diretor do Memorial Zumbi; Militante da luta contra a discriminação da mulher, primeira mulher negra eleita uma das “Mulheres do Ano” pelo Conselho Nacional de Mulheres do Brasil (1981), participou do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher.

            Lélia também foi a primeira mulher negra a sair do país para divulgar a verdadeira situação da mulher negra brasileira, foi vice-presidente do 1º e do 2º Seminário da ONU sobre a “Mulher e o apartheid’’ (Montreal-Canadá e Helsinque-Finlândia, 1980). Lélia teve várias outras participações em diversos eventos, fora toda sua trajetória como autora de artigos tanto no Brasil como no exterior.

            O intuito de falar sobre Lélia Gonzales não é apenas mostrar a luta de uma mulher negra, que sofreu com o embranquecimento existente nessa sociedade, mas também mostrar como ela conseguiu feitos incríveis não apenas para o tempo em que estava vivendo como também incentivando nós mulheres, negras, indígenas e brancas a lutarmos pelo que acreditamos, aceitarmos quem realmente somos e lutarmos por isso. Que sejamos capazes de ter um pouquinho da força desta grande mulher que Lélia foi e ainda é em seus textos, entrevistas e etc.


Texto de Wânia Fagundes


CULTNE ACERVO. CULTN – Lelia Gonzalez – 1981. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=dYbXevFB0xI>. Acesso em: 05 out. 2021.

GONZALEZ, Lélia. A categoria político-cultural de amefricanidade. In: Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro, Nº. 92/93 (jan./jun.). 1988, p. 69-82.

GONZALEZ, Lélia. Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira. In: Revista Ciências Sociais Hoje, Anpocs, 1984, p. 223-244.

RATTS, Alex; RIOS, Flavia. Lélia Gonzalez. São Paulo. Selo Negro/Summus, 2010;

 

 

 

    A pergunta “E se...?” é comumente feito por nós (populares ou estudiosos da História) ao olhar para fatos do passado, tentando imaginar outros possíveis desfechos para acontecimentos de outro tempo. Como por exemplo a pergunta de 1 milhão de reais: “E se o Brasil tivesse sido colonizado pelos ingleses, seríamos como os Americanos?”. (Veja a reportagem da BBC News Brasil)

    Dentro desse contexto a História Virtual ou ainda a chamada História Contrafactual (campo em disputa dentro da Historiografia, não validada como científica), busca pensar a partir de registros e marcas do presente, como um dado do passado poderia ter tomado outros rumos, sendo o ponto de partida para especulações históricas.

    William Blake, certa vez escreveu “se as portas da percepção estivessem abertas, tudo pareceria como realmente é: infinito”. Este infinito pode ser sentido na música “The roads are alive – The Doors” produzida em 2021, pertencente ao álbum “Lost Tapes of the 27 Club'' (Gravações Perdidas do Clube dos 27) gerado pela Inteligência Artificial, Magenta AI do Google.

    O clube dos 27 é o nome frequentemente usado na cultura popular para descrever o grupo de músicos que morreu aos 27 anos devido a overdose, suicídio, abuso de drogas, dentre outros. Kurt Cobain, Jim Morrison, Jimi Hendrix, Brian Jones e Janis Joplin estão entre os muitos que compõem esse grupo infeliz. Através do álbum, a organização Over the Bridge busca conscientizar sobre a saúde mental na indústria musical.

 

   A assustadora faixa "The roads are alive" soa com uma música pertencente ao álbum “Morrison Hotel”, porém produzida em 2021. Aquele groove característico de The Doors que mescla o rock e o blues está absurdamente vivo. A bateria é sublime, o teclado ecoa com uma assinatura distinta de Manzarek, que atravessa a composição, mantendo a música onde deveria estar.

    O vocal é bom, ecoa como genuíno, sendo de fato muito impressionante. Ocasionalmente, ao buscar um tom mais grave, a voz se afasta um pouco do som característico de Morrison, mas no geral é muito, muito bom. O instrumental conecta-se a cada palavra falada, numa construção onírica que articula tensão e nostalgia. Uma incrível canção que definitivamente poderia ter sido fruto de uma introspecção da mente de Morrison.

    Para o projeto "Lost Tapes", o Magenta analisou as músicas dos artistas traduzindo tom e ritmo em um código digital para assim ser alimentado através de um sintetizador para recriar novas músicas que a equipe do projeto analisa e filtra em equivalência aos originais.

    Com base nisso, é importante lembrarmos que janeiro é o mês dedicado à conscientização para os cuidados com a saúde mental. O objetivo é colocar esse tema em evidência, promovendo a conscientização sobre a importância da prevenção ao adoecimento emocional - principalmente nessa rebordosa época em que vivemos, com surtos virais e crises políticas/sociais.

    Pequenos cuidados individuais contribuem para o bem-estar mental, ele vai desde se dedicar a fazer uma atividade que te agrada como, ouvir música, ler, praticar algum esporte, até buscar um acompanhamento profissional. Essas são pequenas decisões que podem fazer a diferença na vida de muitos. Por isso, não hesite em buscar ajuda para manter e/ou melhorar sua saúde mental.

 


    No complicado ano de 2021 nos despedimos de Bell Hooks, uma das maiores referências do pensamento feminista negro. Intelectual, militante e grande comunicadora, Hooks semeou reflexões indispensáveis sobre o modelo de sociedade que almejamos construir.
    Dentre as inúmeras contribuições, destacamos seu legado no campo da pedagogia, com diversos debates essenciais para uma educação emancipatória, a partir da obra Ensinando a transgredir: a educação como prática libertadora.
    Na epígrafe da referida obra Bell Hooks traz uma citação de Paulo Freire:

“Ser capaz de recomeçar sempre, de fazer, de reconstruir, de não se entregar, de recusar burocratizar-se mentalmente, e entender e de viver a vida como processo, como vir a ser...”
    A admiração pelo educador, patrono da educação brasileira, parte do consenso de que ensinar e aprender deve ir além da memorização de conteúdos. Segundo a autora estadunidense é preciso fazer da Escola um espaço comunitário onde práticas opressoras sejam desnaturalizadas e superadas, o que aumenta a probabilidade de esforço coletivo para a sedimentação de um aprendizado também comunitário, no qual alunos e professores ensinam e aprendem.

    Tal reflexão é contextualizada por Hooks em sua própria trajetória escolar, marcada pela segregação racial e gradual dessegregação. Quando frequentava a escola Booker T. Washington, destinadas a alunos negros, a autora pode vivenciar ambiente onde aprendizado era sinônimo de revolução, por se tratar de instituição onde a maioria dos professores eram mulheres negras, as quais acreditavam que educar era um ato político, contra-hegemônico.

    A possibilidade de alunos brancos e negros frequentarem a mesma escola trouxe novos desafios ao enfretamento do racismo estrutural, tendo em vista que em tais escolas o ensino se baseava em práticas opressoras, nas quais os alunos não passavam de meros “receptores do conhecimento”. Nesse espaço aparentemente diverso a escola concentra-se na perpetuação de uma sociedade opressora, inclusive no que tange ao racismo.
    Por essa razão, a autora enfatiza a necessidade de que as instituições de ensino façam da Educação uma prática da liberdade. Contudo, enfatiza a necessidade de se fazer da Escola um lugar também atrativo, algo que demanda ação conjunta entre professores e alunos, tendo em vista que “O entusiasmo é gerado pelo esforço coletivo”. (Hooks, p. 18, 2013).
    Com essa breve abordagem esperançamos por um 2022 em que o ato de ensinar seja, como nos ensina Bell Hooks, um ato teatral, catalisador da participação ativa e engajada da comunidade escolar pela superação de todas as opressões.
 
Referência bibliográfica
HOOKS, Bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2013.